Dando continuidade à cobertura crítica do Esquyna Latina, numa
parceria com o blog Horizonte da Cena, a jornalista cultural Soraya Belusi
apresenta no texto abaixo suas reflexões sobre o espetáculo "Proibido Retornar" do Grupo Teatro Invertido.
Leia também as críticas dos espetáculos "A pequenina América e sua avó $ifrada de escrúpulos" e "La Matanza".
Foto: Juliana Palhares
Movimento de oposições do humano e da geografia
Por Soraya Belusi (*)
Por Soraya Belusi (*)
Migração, para o Teatro Invertido e seu espetáculo “Proibido Retornar”, é uma ação ao mesmo tempo externa e interna. À medida que se desloca geograficamente provoca também uma transformação de identidade. Ao contar a história de um retirante do interior de Minas Gerais que ruma à cidade grande em busca de melhores condições de vida (estudo e emprego), o trabalho se estrutura em um movimento constante de elementos colocados em contraponto, gerando oposições narrativas, estéticas e ideológicas.
Dois universos coexistem na dramaturgia, mas não se estabelecem simultaneamente em cena. A cidade e o interior aparecem como dois mundos repartidos, opostos, impossíveis de conviver em comunhão. Essa dicotomia permanece no desenvolvimento de todo o trabalho, espalhando-se pelo texto, pela utilização dos objetos, pela luz, pela ocupação do espaço, pelo tom da atuação dos atores. A não linearidade do texto leva a um deslocamento permanente no tempo e no espaço da narrativa, já tão conhecida no imaginário coletivo.
A teatralidade assumida na encenação demarca o local da metrópole, percebida em escolhas como o uso do microfone, do alto-falante, das luzes de néon, dos figurinos estilizados, pela linguagem quase técnica utilizada em maior parte do texto. Quando guiados pelas lembranças do protagonista, os espectadores são levados a uma outra atmosfera, em que o estrondo das buzinas e britadeiras é substituído pelo longínquo ruído do radinho de pilha. A luz da lamparina assume o espaço dos letreiros de néon ou do farol da motocicleta. A frivolidade das relações da cidade grande entra em contraste com os fortes vínculos humanos.
De alguma maneira, o grupo parece querer se debruçar em questões de complexidade como a tríade corpo-cidade-cultura, de cartografia como uma forma de apreender e compreender a cidade com o corpo. Mas, justamente pela oposição extrema desses dois universos propostos e de sua constante separação, o espetáculo acaba fixando o olhar ora numa visão às vezes romântica (quando se remete ao arquétipo do homem do interior e seu ambiente), ora radicalmente maniqueísta (quando se refere à selva sem saída das grandes capitais), diminuindo as possibilidades de problematização que poderiam ser estabelecidas pelo próprio espectador.
O jogo de oposições permanece na atuação, num constante movimento entre o ator-narrador e o ator-personagem, de formas de falar, de abordar o espectador. De um lado, a simplicidade interiorana, de outro, a hostilidade de um mundo de concreto.
O público também é obrigado a deslocar-se de seu lugar habitual. A migração, nem sempre, é um movimento voluntário. Desapropriado de sua função habitual, o espectador vê-se no centro da ação, também personagem e agente desta narrativa. Impossível esconder o desconforto da convivência. Enquanto espectadores passivos dessa saga, parecemos nos identificar com o personagem e compartilharmos de sua tragédia. Mas, ao vermos no que ele se transformou (um mendigo cujo cheiro se torna insuportável), queremos mais é distância dele, mesmo que alguém, contrariando as expectativas, lhe dê um abraço.
(*) A jornalista foi convidada a cobrir o evento.